sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mandioca: cultura de pobre ou de rico?

A mandioca é uma cultura pré-colombiana. Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil já encontraram os povos americanos consumindo a mandioca e a confundiram com o inhame, tubérculo já então conhecido no continente europeu.
A mandioca de grande importância econômica, social e política para o Brasil, vem participando da história de nosso país desde o império. Logo após a proclamação da república, em 1823 foi promulgada a primeira constituição do Brasil. Na época os constituintes prepararam um anteprojeto constitucional, que deveria ser a base da Constituição Nacional. Esse documento tinha um caráter anticolonialista, com certa rejeição ao estrangeiro, principalmente contra os portugueses, devido às constantes lutas com os brasileiros na Bahia, no Pará e na Cisplatina com  ameaças da recolonização do país. Além de afastar a ameaça da recolonização e do absolutismo, era preciso evitar o radicalismo das camadas populares. Assim, para afastar a massa popular e os comerciantes portugueses, o anteprojeto estabeleceu a eleição em dois graus, de tal sorte que somente a aristocracia rural pudesse eleger seus representantes. A capacidade eleitoral foi condicionada à renda, não em dinheiro, mas com base numa mercadoria de consumo corrente: a farinha de mandioca. Daí o nome de "Constituição da Mandioca" dada pelo povo, cobrindo de ridículo o anteprojeto. Nela constava que os eleitores da paróquia, ou de primeiro grau, tinham que ter uma renda mínima equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegeriam os eleitores da província, cuja renda mínima deveria ser de 250 alqueires.  Estes, por sua vez, deveriam eleger os deputados e senadores que necessitavam ter rendas equivalentes a 500 e 1000 alqueires, respectivamente (KOSHIBA; PEREIRA, 2009).
Mas a mandioca foi tão importante para a colonização do país que sem ela estariam inviabilizadas as grandes navegações, considerando que a farinha de mandioca passou a ser a fonte alimentar de carboidratos nas caravelas. Nas Entradas e Bandeiras rumo à conquista do sertão brasileiro, juntamente com a carne de boi, viabilizou a dieta dos exploradores com a dupla “carne seca e farinha”, tanto que ficou conhecida como “farinha velha de guerra”.
A mandioca é uma cultura tão abençoada que mesmo sendo cultivada em diferentes níveis tecnológicos, ainda assim se constitui na mais importante cultura nacional, do ponto de vista da segurança alimentar. Tanto que para os agricultores familiares descapitalizados, a última cultura que eles deixam de plantar é a mandioca. Na pior das condições de cultivo, ainda assim, produz no mínimo uma tonelada de proteínas e duas toneladas de carboidratos.
Pergunta-se: a mandioca é uma cultura de pobre ou uma cultura de rico? Depende do contexto econômico, social e político em que ela se insere. No Paraná é uma cultura do agronegócio do estado, com excelente geração de empregos e renda, mantendo inúmeras agroindústrias com objetivo principal para transformação de fécula para exportação, produto com mais de mil aplicações. A Tailândia, país do sudeste asiático que levou material genético de nosso país, transformou-se em primeiro exportador de pelets e fécula de mandioca para o mundo. No Brasil são raros os estados e municípios que tenham em seus planos agrícolas, ações dirigidas ao fomento da cultura da mandioca.
Para reflexão sobre as diferenças entre cultura de pobre ou de rico cabe intensificar a discussão sobre dois perfis de mandiocultores prospectados no estado do Pará: o classe A, agricultor com nível tecnológico mais elevado, tanto no sistema de cultivo, quanto no de processamento da farinha e que tem o foco de seu empreendimento voltado para o mercado; o classe B, que cultiva a mandioca em sistema tecnológico tradicional e processa a farinha em instalações rudimentares, com o objetivo de subsistência e pequeno excedente para o mercado.
O agricultor classe A cultiva a mandioca em sistema semi-mecanizado com área média de 10 hectares anuais, com preparo de solo no sistema de aração e gradagem com reposição de fertilidade com esterco de aves, resíduos de cultura e fertilizante químico. Planta a mandioca com seleção de cultivares,  preparo de manivas-semente e com definição de espaçamento entre plantas. Faz o controle de invasoras fazendo até duas aplicações de herbicidas, complementado com uma a duas capinas manuais e colhe mandioca conforme a necessidade de processamento após os 12 meses, com produtividade média de 25 t/ha. Processa em média 30 sacos de farinha por semana.
O agricultor classe B cultiva mandioca em pequenos roçados de uma a três tarefas (um hectare), com preparo de área no sistema de derruba e queima em capoeiras de curto pousio. Planta a mandioca sem seleção de cultivares, sem preparo de manivas-semente e sem definição de espaçamento entre plantas. Faz de uma a duas capinas para o controle de invasoras e colhe mandioca conforme a necessidade de processamento após os 12 meses, com produtividade média variando de 9 a 12 t/ha. Processa em média 3 sacos de farinha por semana. Na Tabela 1, apresentam-se os indicadores de rentabilidade dos dois perfis de agricultores. 
A relação benefício/custo foi de 1,19 e 1,20, respectivamente, para o classe B e classe A. Isso indica que cada real investido pelo agricultor classe B retornou apenas R$ 1,19 na colheita da mandioca enquanto que para o agricultor clase A retornou R$ 1,20. No tocante à margem bruta, a do agricultor classe A foi  1,8 vezes maior que o agricultor classe B. Ressalta-se que o agricultor classe A cultiva em média 10 hectares por ano, portanto a lucratividade  de sua lavoura foi de R$ 9.12,87 enquanto que a do agricultor classe B com apenas um hectare foi de apenas R$ 498,14. O custo unitário de uma tonelada de mandioca foi estimado em R$ 147,33 no sistema do agricultor classe B e de R$ 149,57 no do agricultor classe A.
A renda anual do agricultor classe B se forma da soma da renda bruta de sua lavoura (R$ 498,14) mais a venda de 96 sacos de farinha ao preço de R$ 65,00 (R$ 6.240,00), totalizando R$ 6.738,14. A renda anual do agricultor classe A se forma da soma da renda bruta de sua lavoura (R$ 9.128,70) mais 30% da venda de 1.440 sacos de farinha ao preço de R$ 65,00 (R$ 28.080,00), totalizando R$ 37.208,70. A propriedade do agricultor classe A tem 25 hectares, sua casa é de alvenaria coberta com telha de barro, com varanda externa, sala, dois quartos, cozinha, sanitário interno com fossa asséptica, possue televisão com parabólica, telefone celular, aparelho de som, DVD, móveis, camas para toda a família, fogão a gás. Possui veículo de passeio, motocicleta, bicicleta, trator usado na lavoura e  caminhão para o transporte e compra raiz de mandioca para atender a capacidade de produção de sua farinheira. Sua casa de farinha é classificada como semi-indústrial.
A propriedade do agricultor classe B tem 25 hectares, sua casa é de taipa, coberta com telha de barro, contendo sala, quarto e cozinha, sanitário de fossa negra , possue uma televisão com parabólica, uma mesa rústica com bancos para refeição, um fogão a gás e a família dorme em redes. Possue uma moto e uma bicicleta para transporte. Sua casa de fariha é classificada como rudimentar e não chega a funcionar em sua capacidade máxima de produção.

Conclusão
O conceito de riqueza e de pobreza da cutura depende do contexto econômico, social e cultural em que ela se insere. No Brasil Império a cultura da mandioca foi instrumento de poder para delimitar a classe dominante dos excluidos politicamente. No esquecimento do fomento nacional, se tornou a segurança alimentar da população brasileira de menor renda. Transformou-se no agronegócio de exportação do estado do Paraná e o produto de maior significância alimentar dos dois maiores produtores brasileiros, os estados do Pará e da Bahia. Foi levada do país e transformou a Tailândia, no sudeste asiático, como maior exportador de pelets e fécula de mandioca.

O perfil dos agricultores paraenses, o classe A e o classe B, caracerizam bem o estado de riqueza e de pobreza que, considerando os contextos econômicos, social e cultural, em função dos diferentes sistemas de manejo, configuram o retorno de investimento que a cultura pode proporcinar. Cabe ao poder público e à sociedade optar pelo aumento do número de agricultores classe A ou permanecer o quadro dos agricultores classe B. Se aumenta os investimentos para a agricultura familiar desenvolver-se no agronegócio semelhante ao  Paraná e Tailândia ou permanecer como está.
Deve-se destacar que a farinha de mandioca foi o produto que mais impactou a cesta básica do brasileiro em 2012. Nos últimos 12 meses (fevereiro 2012 a fevereiro de 2013) a farinha aumentou no Pará de R$ 2,97 para R$ 6,83, um aumento de 130%, enquanto a inflação para o mesmo período ficou em 6,77%. Por isso a farinha deixou de ser um produto de subsistência para ser um produto de luxo, que tem preço 2,76 vezes mais elevado que o arroz (R$ 2,47), 1,45 mais que o frango congelado (R$ 4,70) e 1,35 maior que o preço do feijão (R$ 5,04), em fevereiro de 2013.

Referências
ALVES, R. N. B.; MODESTO JÚNIOR, M. S.; CARDOSO, C. E. L.; NASCIMENTO, R. P. N. Sistemas e custos de produção de raiz de mandioca desenvolvidos por agricultores de Castanhal – Pará. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MANDIOCA 14.; FEIRA BRASILEIRA DA MANDIOCA, 1., 2011, Maceió. Mandioca: fonte de alimento e energia: anais. Maceió: ABAM: SBM, 2011. 1 CD-ROM.

KOSHIBA, L; PEREIRA, D. M. M. História do Brasil. Editora Atual, 7ª Edição, revista e atualizada 1999, 388p.

Por Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés Modesto Junior  (Embrapa Amazônia Oriental)
[ Fonte: Dia de Campo ]

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